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 É POSSÍVEL LIMITAR O DIREITO AO RECURSO NA ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA? - Irrecorribilidade, por via de regra, das decisões arbitrais não é inconstitucional.

É POSSÍVEL LIMITAR O DIREITO AO RECURSO NA ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA? - Irrecorribilidade, por via de regra, das decisões arbitrais não é inconstitucional.

DATA 28/04/2020
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POR FRANCISCO NICOLAU DOMINGOS

1. Palavras iniciais

Considerando que na ordem jurídica brasileira se encontra a tramitar uma iniciativa legislativa que visa a previsão da arbitragem tributária, este é o momento adequado para escrever algumas palavras sobre a questão que a doutrina portuguesa designou como o “pecado original” do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária – RJAT), a limitação do direito ao recurso das decisões proferidas pelos tribunais arbitrais, constituídos sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD). Ou, dito de outro modo: viola o regime jurídico de recursos das decisões arbitrais o princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva?

2. O direito ao recurso no RJAT

Regra geral, as decisões dos tribunais arbitrais são irrecorríveis, embora essa solução se encontre temperada por hipóteses excepcionais de controlo pelos seguintes tribunais: i) Tribunal Central Administrativo Sul; ii) Tribunal Constitucional e iii) Supremo Tribunal Administrativo.

Contudo tal opção legislativa não se revelou, ab initio, pacífica, pois a doutrina logo assinalou que o regime de recurso e impugnação das decisões arbitrais colocava sérias dúvidas de constitucionalidade[i] – violação do direito à tutela jurisdicional efetiva, na medida em que seriam substancialmente menores as possibilidades de controlo das decisões arbitrais em comparação com o regime da impugnação judicial, meio processual que inspirou o legislador no desenho do processo arbitral tributário – artigo 124.º, n.º 2 da Lei n.º 3-B/2010 de 28 de abril.

Antes de se adotar uma posição relativamente à questão, importa descrever, de forma sumária, o sistema de controlo das decisões arbitrais. Assim, apesar da aludida regra geral, o sujeito passivo não fica absolutamente impedido de reagir às decisões arbitrais, pois o RJAT admite a reação para o Tribunal Central Administrativo Sul – tribunal de segunda instância e, em segundo lugar, para o Tribunal Constitucional e para o Supremo Tribunal Administrativo.

Na primeira hipótese, a formulação normativa designa a reação como “impugnação”, na medida em que se pretende colocar em crise a coerência formal e estrutural da decisão arbitral, utilizando os seguintes fundamentos: i) não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; ii) oposição dos fundamentos com a decisão; iii) pronúncia indevida ou omissão de pronúncia e iv) violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes – artigo 28.º do RJAT.

Na segunda, a pretensão reconduz-se à reapreciação do mérito da decisão arbitral, sendo designada de “recurso”. O recurso para o Tribunal Constitucional pode ter por fonte a recusa de aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade e, em segundo lugar, quando o tribunal arbitral aplicar qualquer norma cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada durante o processo. Pelo contrário, o recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão que encerre o processo arbitral pode ter por fundamento a oposição quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo (Norte e Sul) ou pelo Supremo Tribunal Administrativo – art. 25.º do RJAT.

Sucede que, a aplicação do RJAT demonstrou que o recurso para o Supremo Tribunal Administrativo podia ser inócuo, pois quando a lei fiscal substantiva foi alterada, o prazo de decisão dos tribunais tributários de primeira instância cifrou-se em quatro anos. Ou seja, a jurisprudência dos tribunais superiores sobre a aplicação da referida alteração normativa apenas seria produzida cinco a seis anos após a sua entrada em vigor quando, recorde-se, as decisões arbitrais têm de ser proferidas no prazo de seis meses, embora com a possibilidade de prorrogação até ao máximo de um ano.

Em suma, este recurso podia consubstanciar uma mera proclamação solene, bastava, repete-se, que a génese do litígio se encontrasse na aplicação de uma nova norma tributária. Deste modo o legislador, através da Lei n.º 119/2019, de 18 de setembro alterou o teor do artigo 25.º, n.º 2 do RJAT e ampliou os fundamentos para apresentação de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, pois desde 1 de outubro de 2019 é admissível recorrer para tal instância jurisdicional da decisão arbitral que ponha termo ao processo, quando esteja em oposição relativamente à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral.

A nosso ver, se é de enaltecer tal alteração legislativa, pois permite a desejável uniformização jurisprudencial entre a produzida pelos tribunais estaduais e os arbitrais e o reforço do acesso à Justiça, por outro lado, para assegurar a principal vantagem da arbitragem tributária[ii] – tutela jurisdicional efetiva, na dimensão de emissão de uma sentença em prazo razoável – defendemos que deveria ter sido atribuída natureza urgente ao recurso apresentado com este fundamento. Embora, diga-se, em abono da verdade que, mesmo antes da alteração normativa em análise, já era frequente verificar a citação de jurisprudência estadual por parte dos tribunais arbitrais e jurisprudência arbitral pelos tribunais estaduais. Ou seja, de algum modo, essa convergência decisória já se verificava na maioria das questões de mérito apreciadas pelos tribunais arbitrais.

Mas é agora tempo de responder à questão que formulamos. Assim, a irrecorribilidade, por via de regra, das decisões arbitrais não é inconstitucional, pois a utilização da arbitragem tributária envolve uma renúncia, ainda que limitada, ao direito à tutela jurisdicional efetiva, quando o legislador o consagra, como é disso exemplo, o artigo 25.º do RJAT.

Isto é, a renúncia a direitos fundamentais só é admissível quando o legislador o admita e para o concatenar com outro direito com a mesma dignidade. Ora, na arbitragem tributária é admissível limitar, em parte, o direito à tutela jurisdicional efetiva, na dimensão do direito ao recurso, para assegurar outra dimensão do mesmo direito, v.g. a obtenção de uma decisão jurisdicional em prazo razoável[iii].

A posição que se defende no parágrafo anterior foi sufragada pelo Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º 0164/18.7BALSB quando defende que: “ [o]utro dos traços marcantes da arbitragem tributária é o de que envolve uma renúncia, ainda que limitada, ao direito à tutela jurisdicional, renúncia essa em tese admissível, quando o legislador a consagre, como sucede no regime jurídico previsto no RJAT (Vide Francisco Nicolau Domingos, Os Métodos Alternativos de Resolução de Conflitos Tributários, ed. Núria Fabris, págs. 474/478). Note-se que o tribunal arbitral é uma opção do contribuinte.”[iv].

3. Palavras Finais

A limitação das possibilidades de recurso das decisões arbitrais não viola o princípio da tutela jurisdicional efetiva, na medida em que é uma opção inequívoca do legislador dar concretização prática ao princípio em estudo, na sua dimensão de prolação de uma decisão jurisdiciona em prazo razoável.

4. Referências

[i] SOUSA, Jorge Lopes de. Algumas notas sobre o regime de arbitragem tributária, Estudos em memória do Professor SALDANHA SANCHES. Volume V. Coimbra: Coimbra Editora, 2011.

[ii] DOMINGOS, Francisco Nicolau. A superação do dogma da incompatibilidade da arbitragem tributária com os princípios da legalidade, tutela jurisdicional efetiva e indisponibilidade do crédito tributário. Economic Analysis Law Review. vol. 9, n.º 1, 2018, pp. 335-346.

[iii] DOMINGOS, Francisco Nicolau. Os métodos alternativos de resolução de conflitos tributários: novas tendências dogmáticas. Porto Alegre: Núria Fabris, 2016.

[iv] Disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3a440761d7e89c 5780258359004e9cd4?OpenDocument&ExpandSection=1 . Acesso em 02/04/2020.

 

FRANCISCO NICOLAU DOMINGOS – Professor Adjunto do Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Lisboa (ISCAL), Instituto Politécnico de Lisboa. Investigador integrado do Instituto Jurídico Portucalense (IJP). Árbitro em matéria tributária junto do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD).

FONTE: FRANCISCO NICOLAU DOMINGOS
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